Como debater temas polêmicos em sala de aula
Reconhecer que sua trajetória e a de seu interlocutor são diferentes é o primeiro passo para estabelecer o diálogo
POR:Paula Peres
Na oficina, professores puderam se abrir sobre como se sentem diante de uma divergência na sala de aula e fora dela. Crédito: Mariana Pekin
Muitas vezes, nossas opiniões e os valores que carregamos estão tão ligados à nossa trajetória e como nos relacionamos com a sociedade que é custoso conversar com quem tem outras referências e outros valores sem magoar o outro ou magoar a si mesmo.
Disciplinas que suscitam abordam temas relativos à convivência humana (Língua Portuguesa, Geografia, História, Sociologia, Filosofia…) em geral não conseguem fugir de temas polêmicos, que suscitam calorosos debates em sala de aula (e também na sala dos professores).
Não é por medo de lidar com a divergência que devemos evitar o debate. “A divergência é um desafio. É isso que alimenta uma aula com pensamento crítico, é a oportunidade de trabalhar diversos valores que são transversais na Educação”, reflete Laércio Furquim, assessor pedagógico do Time de Autores de Geografia de NOVA ESCOLA. Mas como fazer isso? Marcele Guerra, formadora de professores, diz que estamos em um momento nacional em que precisamos falar, mas também precisamos ouvir. E isso leva tempo. “O que vai vir quando o outro se expressa? Toda a sua trajetória, suas escolhas, que são traduzidas em sua fala”
Para colocar em prática esta atividade, é necessário mapear o tema de divergência na relação levando em conta três focos: o eu, o outro e o contexto. Veja a seguir:
1) Reconheça-se
Antes de iniciar uma discussão, faça o exercício de refletir sobre seus próprios valores e suas motivações. Marcele sugere uma lista de perguntas que você pode fazer a si mesmo:
Onde está a divergência em mim? Por que eu acho que esse tema causa polêmica? Por que eu concordo ou discordo de determinada visão? Quais são as motivações da minha crença? Por que eu penso assim? O quanto a minha história, minhas escolhas pessoais, minha trajetória de vida estão ligadas às minhas opiniões? O quanto minhas decisões são condicionadas por isso?
2) Reconheça o outro
As mesmas perguntas que você fez a você mesmo são o início da abertura para você conhecer o outro. Por que ele concorda ou discorda de determinada visão? Qual é a sua trajetória? Se você tem uma trajetória e motivações para suas crenças, o outro, mesmo que seja diferente de você, também tem as dele. Que formam a pessoa que ele é e os valores que ele defende. Ao final desse processo, o ideal é que você esteja aberto para enxergar o outro, reconhecer sua história de vida e trajetória e respeitar as escolhas dele.
3) Reconheça o contexto
Agora que os dois lados reconhecem a si mesmos e aos outros como indivíduos que não podem ser mudados (e que não são responsáveis pela visão que o outro tem), estão prontos para colocar seus pontos de vista sobre um tema polêmico.
A comunicação em círculo funciona assim: há uma pergunta que serve de motivo para o círculo existir. No caso da dinâmica sugerida por Marcele, as perguntas eram “Como eu me sinto quando há divergência na sala de aula? E quando a divergência é comigo?”
Em roda, para que todos pudessem ver uns aos outros, os participantes dos grupos compartilharam seus pensamentos e suas experiências situações de divergência. No processo circular, há um objeto que servirá como “bastão de fala”: só quem pode falar naquele momento é quem tem o bastão em mãos, sem interrupções. O objeto deve passar por todos os participantes, que escolhem se falam o que estão pensando ou passam para o colega ao lado. Deve haver um tempo estimado para a discussão, que será observado pelos próprios participantes, sem estipular tempo máximo ou mínimo de fala. A proposta é praticar a “escuta ativa e a fala consciente”, como diz Marcele. “No círculo, todo mundo tem a sua vez de falar, o mesmo poder, a mesma potência”, diz.
A formação sobre divergências em sala de aula faz parte da programação da Virada de Autores de Geografia e História de NOVA ESCOLA, que acontece entre os dias 31 de outubro e 4 de novembro. Marcele usou como referência uma metodologia conhecida como “processos circulares”, desenvolvido por Kay Pranis e muito usado em círculos restaurativos, em processos judiciais que têm um conflito mais intenso e requerem mediação. “É uma qualidade para que as questões de conflito possam emergir”, conta Marcele.
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