Por que o Enem está no centro do debate político no Brasil?


Valter Campanato/Agência Brasil

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem se tornado alvo de polêmicas, o que colocou a prova como protagonista em campanhas políticas nas últimas eleições e nas propostas de mudanças na Educação do país. Nesse contexto, o novo diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao MEC e responsável pelo exame, Marcus Vinícius Rodrigues, disse nos últimos dias que planeja um novo modelo para a prova, sem questões que chamou como "ideológicas".

A história da prova está relacionada às políticas públicas para a Educação no país. O Enem é a maior porta de entrada para o Ensino Superior público e particular do Brasil. As notas da prova são aceitas por todas as universidades federais, por meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU). O exame também é critério para participação em programas como o Universidade para Todos (ProUni) e de Financiamento Estudantil (FIES), que oferecem bolsas de estudo e financiamentos em instituições privadas.


Ideológico?

A dimensão do Enem é do tamanho do alcance das discussões sobre suas questões nas redes sociais e entre atores da Educação e até mesmo aqueles sem atuação na área. "Essa prova do Enem, vão falar que eu estou implicando. Agora pelo amor de Deus. Esse tema da linguagem ‘particulada’, aquelas pessoas, o que isso tem a ver? Vai estimular a molecada a se interessar por isso agora. No ano que vem, pode ter certeza, não vai ter questão dessa forma. Nós vamos tomar conhecimento da prova antes”, afirmou o presidente Jair Bolsonaro em entrevista depois de eleito.

A questão referida por Bolsonaro é do Enem de 2018, que mencionava a linguagem da comunidade LGBT “pajubá", e questionava o candidato quanto aos motivos que a faziam se caracterizar como “elemento de patrimônio linguístico”. Eduardo Calbucci, doutor em Linguística pela USP e professor, explica que não havia motivo para polêmicas.

"Tratava-se de um item simples de variação linguística, assunto sugerido pela Competência 8 da Matriz de Referência da prova de Linguagens. Os alunos deveriam perceber que grupos sociais específicos se valem de maneiras particulares de comunicação. Isso acontece com o pajubá, com os jargões militares ou com as gírias de policiais".

Diante das críticas do presidente e em acordo com ele, Marcus Vinícius Rodrigues discute a possibilidade de Jair Bolsonaro ter acesso prévio a prova para responder a uma "preocupação com o Brasil". Já para Maria Inês Fini, ex-presidente do Inep, a medida poderia ferir o sigilo do exame, que no ano passado teve 5,5 milhões de inscritos. 

Importância

Com tanto enfoque no exame, a preocupação com a Educação do país precisa ir além. "O Enem se transformou em um processo seletivo ao Ensino Superior, sua importância está restrita a isso. A prioridade nacional é – ou deveria ser - a busca da qualidade na Educação Básica, o que é condição da existência e do bom funcionamento de um regime democrático", defende Nilson Machado, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

José Marcelino de Rezende, especialista em Gestão Educacional, diz ainda que uma prova nacional não cria novas vaga, não democratiza o acesso à Educação, apenas tende a preencher de forma mais eficiente as vagas existentes. "É bom lembrar que o Brasil é um dos países com Educação Superior mais privatizada do mundo, com cerca de 75% das matrículas com o setor privado. Também é onde o poder público destina mais dinheiro para o setor privado: com o FIES são mais de R$ 30 bilhões por ano".

Inspiração

Considerado o principal idealizador das grandes mudanças que marcaram a Educação brasileira no século 20, Anísio Teixeira, a quem o Inep homenageia em seu nome, foi pioneiro na implantação de escolas públicas de todos os níveis, que refletiam seu objetivo de oferecer Educação gratuita para todos no Brasil. "Anísio Teixeira foi perseguido pela ditadura militar e é uma inspiração em Educação, uma prova com um carimbo 'liberado pelo presidente' não reflete esse espírito e na realidade não há espaço para tais intervenções", conclui José Marcelino de Rezende.


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